Oito horas


Blim blau!... Blim blau!...
Meu relógio acusa: 8 horas.
Muita dor de cabeça. Foi culpa da azeitona da empada.
Blim blau!... Blim blau!...
Domingo, 8 horas.
Tempo nublado, vento e frio.
Levanto, vou até a porta de minha casa...
Blim blau!... Blim blau!...
Já vou!... Merda de porta, sempre trava! Abri!
Sim...
Uma senhora fala: – Bom dia! Posso conversar com o senhor? Tenho uma palavra...
Interrompi. A senhora tem palavra às 8 horas?
Eu não, o Senhor! Aponta para o céu.
Pelo jeito o Senhor não dorme, né? Aponto para o céu.
Somos da Igreja XYZ e queremos lhe falar, “vóis teins” que escutar a palavra do Senhor!
Senhora, desculpe-me, mas acabei de acordar...
A senhora abre a Bíblia e... No reino de Salomão... blá, blá, blá...
Pensei... Deve ser um salame bem grande.
Posso entrar na sua casa? Já entrando.
Pode!?!
Fecho a porta e...
Sentamos eu, a senhora e duas outras. Uma repetia tudo que a mestre falava e a outra só falava aleluia!
A senhora abre uma pasta com inúmeros livros e panfletos.
Eu falo: – Senhora, eu não estou em condições de escutar nada...
O Senhor é meu pastor. Salomão... Aleluia!!!! (Por que gritam tanto?). As duas companheiras só gritavam e se balançavam.
Senhora, eu...
No reino de Salomão... Inferno... Aleluia!!!!!!
Senhora, eu gostaria...
Vou fazer uma oração para o senhor... Aleluia!
Senhora, gritei. Por respeito, eu vou escutar tudo o que a senhora tem para falar de sua religião, mas depois a senhora vai ter que escutar tudo que eu tenho que falar da minha, OK?
A mulher ficou calada. As outras duas se olharam.
Qual é a sua religião? Pergunta a mulher.
Pensei rápido. Sou umbandista, encarno o espírito do Saci-pererê. Não sei se existe espírito de Saci. Mas foi o que veio na minha cabeça.
As mulheres se levantaram e, com a Bíblia levantada, se desesperaram e começaram a gritar e chamar o Senhor. Uma moça pequenininha começou a rezar, ou melhor, orar.
Fiquei preocupado e tentei consertar a brincadeira...
As mulheres começaram a rodar, como se estivessem dançando o vira...
Calma! Gritei... Comecei a rir... Até passou a dor de cabeça.
As mulheres se desesperaram e tentaram abrir a porta da casa, como sempre travada.
Abre aqui, gritavam... Abre aqui... Coisa do demônio!
Abri, com muita dificuldade, como sempre, e as mulheres desapareceram.
Sentei e até fiquei com medo de mim. Saci?
Bem perto da minha casa não tem taboas. Tô livre!
Blim... blau!... Blim... blau!
O que será agora?
Meu vizinho pergunta: – Tudo bem?
Tudo!
Que mulheres eram aquelas que saíram correndo da sua casa e no meio da rua começaram a rezar?
Respondi: – São umas coitadas que acham que a única religião boa é a delas e não conseguem respeitar as dos outros.
Hã?
Pergunto: – Existe espírito de Saci?

Edson Perrone
ecperrone@gmail.com